terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Um Óptimo Ano Novo


Deixo aqui uma curta lista de obras de ficção de autores de língua portuguesa, de onde poderão escolher alguns livros para o «contrato de leitura». No final segue também uma lista de poetas portugueses, de entre os que considero mais significativos.

Esta lista não é, de maneira alguma, exaustiva, tendo sido realizada apenas com a intenção de possibilitar uma escolha de obras relativamente fáceis de encontrar em bibliotecas ou em locais de venda ao público. Muitos outros autores e livros ficaram de fora. Servirá, apenas, como indicação complementar à lista que foi fornecida no início do ano lectivo.

Os autores e as obras incluem hiperligações, de modo a permitirem a recolha de informações.


Fica ainda aqui uma lista de 70 livros de literatura estrangeira, que incluem aqueles que devemos ler durante a nossa vida, como muitas vezes se lê por aí.

PROSA (ficção)
Autores do Século XIX:
Alexandre Herculano, Eurico, o Presbítero (romance)
Alexandre Herculano, O Bobo (romance)
Alexandre Herculano, O Monge de Cister (romance)

Almeida Garrett, O Arco de San’Ana (romance)

Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição (romance) – (texto online aqui ) ou qualquer outro do mesmo autor

Eça de Queirós, Os Maias (romance) – ou qualquer outro do mesmo autor
Eça de Queirós, O Crime do Padre Amaro (romance) – ou qualquer outro do mesmo autor

Júlio Dinis, Uma Família Inglesa (romance) – ou qualquer outro do mesmo autor

Autores dos Séculos XX / XXI:
Jorge de Sena, Sinais de Fogo (romance)
Jorge de Sena, Antigas e Novas Andanças do Demónio (contos)
Jorge de Sena, O Físico Prodigioso (novela)

Domingos Freitas do Amaral, Enquanto Salazar Dormia (romance) [edição recente]

Ricardo Adolfo, Os Chouriços São Todos Para Assar (contos) [edição recente]

Vitorino Nemésio, Mau Tempo no Canal (romance)

José Luandino Vieira, Luuanda (romance) – literatura angolana

Aydano Roriz, O Fundador (romance) – literatura brasileira [edição recente]

José Saramago, Ensaio Sobre a Cegueira (romance)
José Saramago, Memorial do Convento (romance)

Fernando Campos, A Casa do Pó (romance)
Fernando Campos, O Cavaleiro da Águia (romance)

Almada Negreiros, Nome de Guerra (romance)

João Aguiar, A Voz dos Deuses (romance)
João Aguiar, Inês de Portugal (romance) [edição recente]

Jorge Amado, Capitães da Areia (romance) - literatura brasileira
Jorge Amado, Gabriela Cravo e Canela (romance) - literatura brasileira
Jorge Amado, Tieta do Agreste (romance) - literatura brasileira
Jorge Amado, Dona Flor e Seus Dois Maridos (romance) - literatura brasileira

Mário-Henrique Leiria, Contos do Gin-Tonic (contos)
Mário-Henrique Leiria, Novos Contos do Gin (contos)

Sophia de Mello Breyner, Contos Exemplares (contos)

Agustina Bessa Luís, A Sibila (romance)

Lídia Jorge, O Dia dos Prodígios (romance)
Lídia Jorge, A Instrumentalina (conto)

Pedro Paixão, Ladrão de Fogo (romance)
Pedro Paixão, Muito, Meu Amor (romance)

António Lobo Antunes, Eu Hei-de Amar uma Pedra (romance) [edição recente]

José Rodrigues dos Santos, A Filha do Capitão (romance) [edição recente]
José Rodrigues dos Santos, O Codex 632 (romance) [edição recente]

José Cardoso Pires, Balada da Praia dos Cães (romance)

Álvaro Guerra, Café República (romance)
Álvaro Guerra, Café Central (romance)
Álvaro Guerra, Café 25 de Abril (romance)

José Rodrigues Miguéis, O Milagre Segundo Salomé (romance)

POESIA
Autores do Século XIX:
- Almeida Garrett
- Alexandre Herculano
- Antero de Quental
- Cesário Verde

Autores dos Séculos XX / XXI:
- Fernando Pessoa
- Mário de Sá-Carneiro
- Almada Negreiros
- Florbela Espanca
- Mário Cesariny
- Alexandre O’Neill
- António Maria Lisboa
- Jorge de Sena
- José Gomes Ferreira
- Vitorino Nemésio
- Herberto Helder
- Carlos de Oliveira
- Eugénio de Andrade
- Natália Correia
- Ruy Belo
- Rui Knopfli
- António Ramos Rosa
- Ruy Cinatti
- Luiza Neto Jorge
- Fiama Hasse Pais Brandão
- Pedro Tamen
- António Osório
- Joaquim Manuel Magalhães
- João Miguel Fernandes Jorge
- Helder Moura Pereira
- Daniel Filipe
- Manuel Alegre
- David Mourão-Ferreira
- Al Berto




70 LIVROS PARA LER ANTES QUE SEJA TARDE...

1. Orgulho e Preconceito - Jane Austen
2. O Senhor dos Anéis - JRR Tolkien
3. Jane Eyre - Charlotte Bronte
4. Harry Potter - JK Rowling
5. Não Matem a Cotovia - Harper Lee
6. O Retrato de Dorian Gray - Oscar Wilde
7. O Monte dos Vendavais - Emily Bronte
8. 1984 - George Orwell
9. Os Reinos do Norte - Philip Pullman
10. Grandes Esperanças - Charles Dickens
11. A Idade da Inocência - Edith Wharton
12. Diário de um Louco - Nikolai Gogol
13. Catch 22 - Joseph Heller
14. A Laranja Mecânica - Anthony Burgess
15. Rebecca - Daphne Du Maurier
16. Boneca de Luxo - Truman Capote
17. Blade Runner - Perigo Iminente - Philip K. Dick
18. Uma Agulha no Palheiro - JD Salinger
19. Mulherzinhas - Louisa M Alcott
20. Ligações Perigosas - Choderlos de Laclos
21. E Tudo o Vento Levou - Margaret Mitchell
22. O Grande Gatsby - F Scott Fitzgerald
23. Oliver Twist - Charles Dicken
24. Guerra e Paz - Léon Tolstoi
25. Orlando - Virgina Woolf
26. Orgulho e Preconceito - Jane Austen
27. Crime e Castigo - Fyodor Dostoyevsky
28. As Vinhas da Ira - John Steinbeck
29. Alice no País das Maravilhas - Lewis Carroll
30. Nossa Senhora de Paris - Victor Hugo
31. Anna Karenina - Léon Tolstoi
32. David Copperfield - Charles Dickens
33. O Cão dos Baskervilles - Arthur Conan Doyle
34. Emma - Jane Austen
35. Persuasão - Jane Austen
36. Frankenstein - Mary Shelley
37. O Livro da Selva - Rudyard Kipling
38. Os Despojos Do Dia - Kazuo Ishiguro
39. O Talentoso Mr. Ripley - Patricia Highsmith
40. O Triunfo dos Porcos - George Orwell
41. Cem Anos de Solidão - Gabriel Garcia Marquez
42. O Senhor das Moscas - William Golding
43. Sensibilidade e Bom Senso - Jane Austen
44. A Suitable Boy - Vikram Seth
45. The Shadow of the Wind - Carlos Ruiz Zafon
46. Admirável Mundo Novo - Aldous Huxley
47. Amor nos Tempos de Cólera - Gabriel Garcia Marquez
48. Ratos e Homens - John Steinbeck
49. Lolita - Vladimir Nabokov
50. O Conde de Monte Cristo - Alexandre Dumas
51. Pela Estrada Fora - Jack Kerouac
52. Judas o Obscuro - Thomas Hardy
53. Moby Dick - Herman Melville
54. Oliver Twist - Charles Dickens
55. Dracula - Bram Stoker
56. A Campânula de Vidro - Sylvia Plath
57. Germinal - Emile Zola
58. A Feira das Vaidades - William Makepeace Thackeray
59. Contos de Natal - Charles Dickens
60. Madame Bovary - Gustave Flaubert
61. Coração das Trevas - Joseph Conrad
62. O Principezinho - Antoine De Saint-Exupery
63. A Letra E scarlate - Nathaniel Hawthorne
64. A Ilha do Tesouro - Robert Louis Stevenson
65. A Sangue Frio - Truman Capote
66. Os Três Mosqueteiros - Alexandre Dumas
67. Hamlet - William Shakespeare
68. Charlie e a Fábrica de Chocolate - Roald Dahl
69. Os Miseráveis - Victor Hugo
70. Retrato do Artista Quando Jovem - James Joyce

sábado, 20 de dezembro de 2008

BOAS FESTAS!

Um conto de Natal

Para quem tiver um bocadinho de paciência (o texto é um bocadinho longo, eu sei), aqui fica um conto de Natal de Jorge de Sena. Que me perdoem a infracção aos direitos de autor, espero eu, pela tentativa de divulgação.



RAZÃO DE O PAI NATAL TER BARBAS BRANCAS


Para os filósofos, como meditação demonológica acerca do VIII poema de «O guardador de rebanhos» de Alberto Caeiro.
Para as crianças grandes, como apólogo humorístico.
Para os meninos pequenos, como verdadeiro conto de Natal.



I


Como toda a gente sabe, e os meninos melhor que ninguém, o Natal é uma coisa muito velha. O que nem toda a gente sabe é que, no princípio, ele não era pai; nem era velho, e não tinha, portanto, barbas brancas. Assim, quando o menino Jesus nasceu, já todos os meninos punham o sapato na chaminé.
A única diferença era que a chaminé não tinha, como hoje, fogão de gás ou fogareiro. Depois, com o menino Jesus, veio outra diferença: também ele punha o sapatinho, que, por acaso, era uma sandália.
Isso durou pouco? Não, porque o menino Jesus só cresce e se faz homem quando os outros meninos crescem e julgam que se fazem homens. O que, e lá isso é verdade, não acontece a toda a gente, como os meninos terão muito tempo para ver. Mas isso é já outra história, que os meninos aprenderão, sem que ninguém lha conte.
A que vou contar começa quando o menino Jesus ia fazer sete anos, idade que é muito importante, visto que são sete as maravilhas do mundo. O menino Jesus, como os outros meninos, tinha vontade de crescer e não acreditava no Natal. Ele bem sabia quem punha os brinquedos na san­dália (era a Mãe), e, por não haver então lojas de brinquedos, e, mesmo que houvesse, não terem os pais do menino Jesus dinheiro para os comprar (os brinquedos já eram muito caros), ele bem vira S. José estar a fazer uma carrocinha, às escondidas. Por isso, naquela tardinha, sempre muito com­prida, que há antes da noite de Natal, noite que, por sua vez, é a mais comprida do ano, o que lhe valeu ser ela a Noite de Natal; por isso, como ia dizendo, o menino Jesus, que estava à espera de lhe darem a carroça, fingia que se não importava, fingia, até, não esperar coisa alguma. A tarde estava muito bonita, segundo me disseram, e é natural que estivesse: o Natal ia ser pai e, o que é muito mais, ganhar as suas barbas brancas. O céu fazia-se verde e amarelo e cor-de-rosa, que são cores que as pessoas grandes não gostam de ver no céu, e que todos os meninos sabem que lá se vêem muito bem. O menino Jesus, é claro, via-as melhor que nin­guém. E, então, para disfarçar, começou a contar as nuven­zinhas soltas, que estavam todas paradas, muito quietas de propósito para ele contar - mal imaginavam o que lhes ia acontecer. O menino Jesus sentara-se numa pedra (pedra que ainda lá está na terra dele, embora ninguém saiba qual é à beira do caminho, e, com uma varinha (que não era de condão, pois só as fadas precisam desses objectos), fazia riscos na poeira. A poeira, coitada, era mais lama que outra coisa, porque chovera de manhã, e o sol não tivera tempo de a secar. Ora, o menino Jesus, umas vezes olhava para o céu, outras olhava para o chão, e qualquer pessoa com dois dedos de testa logo perceberia que ele estava a desenhar as nuvens. Mas parece que estas coisas são muito difíceis de perceber, como os meninos sabem pelas perguntas parvas que muitas pessoas crescidas costumam fazer.
- Que estás tu para aí a riscar, pequeno?
O menino Jesus voltou-se (quando nos fazem perguntas destas, a gente está sempre de costas), e viu um homem muito bem vestido que até parecia mentira. O menino não se deixou enganar, porque a pergunta estragara o fato do homem, e era como se estivesse todo rasgado e com a fralda de fora.
- Estou a fazer riscos.
- Isso vejo eu. Que riscos?
- Só riscos.
O homem mostrou uma cara muito má, e o menino Jesus foi pondo os pés a jeito, para o caso de ser preciso levantar-se de repente e fugir a correr.
- Estás a armar em esperto, mas a mim não me enganas. O menino Jesus, que estava farto de enganar imensa gente, riu-se, mas só por dentro, por causa da má cara do homem.
- É mal fazer riscos? - perguntou.
- Se é! Ora experimenta lá.
O menino Jesus ficou desconfiado, e traçou um risco, um muito pequenino. E qual não foi o seu espanto ao ver a varinha ficar presa ao chão! Ver não viu, mas quis tirá-la e não pôde.
Claro que, dessa feita, quem se riu foi o homem. Ora é sabido que o diabo não se pode rir muito alto, porque lhe sai enxofre pelos intervalos do riso. E assim aconteceu. O menino Jesus sentiu o cheiro, viu o fumozinho a sair da boca do homem, era quase noite (anoitecera quase de repente), não passava ninguém na estrada, ele estava um bocado longe de casa, e, apesar de ser quem era, teve medo, um medo enorme, um medo ainda maior que o diabo.
Estão a ver o menino Jesus nestes assados. Que faria qualquer menino? Evidentemente, não mostrava medo, que é a melhor maneira de assarapantar o demónio. Foi o que ele fez. Fingiu que não queria a vara para nada (e queria porque era uma bela vara, muito direita), e disse:
- Bem, são horas de voltar para casa.
- Ah, sim? E porquê? - (o diabo a ver se ele caía).
- Tenho lá o Natal à minha espera.
O diabo sentiu vontade de rir; mas, aflito com o fiasco do fumo pelos intervalos do riso, mordeu os lábios e per­guntou:
- O Natal? Mas que Natal é esse?
- Se calhar não sabe o que é! - exclamou o menino Jesus, e tentou levantar-se. Aí é que foram elas! Estava pregado à pedra, como a vara à lama! Um caso sério! Se ao menos passasse alguém! Mas qual! Nem vivalma, que o diabo não conta, não é gente. E como nessa altura ainda não havia santos por quem chamar, a Nossa Senhora estava em casa, e o menino Jesus, apesar de saber que era menino Jesus, não sabia que era filho de Deus, não havia salvação possível. Não havia! ... Nisto, porque era um menino igual aos outros meninos, teve uma ideia luminosa. Era perigoso, mas o único remédio.
-Dá-me a sua mão? Ajuda-me a levantar daqui? Mesmo o que o diabo queria! E com os olhos a luzir de gozo, o diabo estendeu-lhe a mão. O pior foi esquecer-se - e o diabo nestas alturas é muitíssimo esquecido - de fir­mar-se bem nos pés. O menino, mal lhe deu a mão, pôde levan­tar-se ... e zás: meteu uma perna entre as do diabo e deu-lhe um encontrão. O diabo desamparado (é como ele está sem­pre, não se esqueçam), esbracejou e estatelou-se na lama, que, naquele sítio, estava muito bem amassada pelas rodas dos carros, mesmo destinada a traseiros do diabo. E quando se ergueu, furioso, todo sujo, o menino Jesus já ia longe, e até parecia que levava asas nos pés. Ao entrar em casa, ofegante, o menino Jesus voltou-se para trás e ainda viu, na noite escura, um clarão de raiva.


II


O menino Jesus não disse nada a ninguém. Sentia-se tão contente por ter feito o diabo estatelar-se em plena estrada! Mas uma coisa o preocupava: o diabo ficara sabendo que ele estava à espera do Natal, porque lhe tinha dito que o Natal estava à sua espera - ora o diabo percebe tudo ao contrário, e ficara portanto a saber a verdade. Era inevitável que apa­receria, pela calada da noite, e vestido de outra maneira, para não ser conhecido. Viria com toda a certeza. E agora? Agora...


III


Alta noite, o menino Jesus, que se fora deitar a dormir com um olho aberto e outro fechado, ouviu os pais levan­tarem-se, e irem, pé ante pé, para a lareira, onde ele, é claro, antes de deitar-se, pusera a sandália do pé direito. Como se sabe esta sandália é sempre melhor que a outra, e deve preferir-se em tudo: chaminés, pontapés, etc., a menos que se seja canhoto dos pés, o que é muito raro.
O menino Jesus estava de costas voltadas à lareira, por­que fazia frio, e porque, também, se estivesse de frente, logo se veria que não dormia e espreitava. É evidente que a casa era muito pequena e pobre, e os quartos eram um só, divi­dido em dois, por cortinas muito velhas, que Nossa Senhora se cansava a remendar e o menino Jesus a esburacar. Ora, o menino Jesus, mal os pais se recolheram, sentou-se na cama, que, pela mesma razão de a casa ser pequena, era um col­chão no chão, com pouca roupa, tão pouca, que o menino raras vezes se despia, muito menos no Inverno. Era, sem dúvida, um mau costume, mas também o Inverno é um mau costume, que, além de ser preciso para a terra descansar, se repete invariavelmente todos os anos: e o menino Jesus apesar de ter só sete, já muito bem sabia que, quando tinha frio, era mesmo frio o que tinha. Sentou-se, pois, na cama. O lume, na chaminé, apagava-se pouco a pouco; viam-se as faúlhas correndo pela madeira, umas atrás das outras, en­quanto as pontas dos troncos iam ficando brancas. O diabo não tardava aí. Um estalido. O menino Jesus olhou para a porta. Não era nada. Depois sentiu passos na terra batida. Olhou: era um rato. O rato andou de um lado para o outro (e se o rato fosse o diabo disfarçado?), até se convencer que tais pobretões nem na noite de Natal deixavam cair miga­lhas. Passou muito tempo - ao menino Jesus parecia imenso tempo - tanto, que nunca mais acabava de passar. Eis senão quando - ... vinha alguém pela chaminé abaixo. Oh se vinha! Com o lume assim a apagar-se, não se via nada; mas, para quem entrasse pela chaminé, ainda era luz que chegasse. E chegava: apareceram umas sandálias, umas pernas, uma fímbria de túnica vermelha (é o diabo, pensou o menino Jesus), mais túnica vermelha, ainda mais túnica vermelha, até que uma figura ficou de pé, ao lado do fogo, e deu uns passos para dentro de casa. Trazia um saco às costas. Era o diabo! O menino Jesus ficou ... calculem como ele ficou, porque, no fundo, muito lá no fundo, não esperava que o diabo voltasse. E ali estava ele, com saco e tudo. Viu o diabo abaixar-se e pegar na carrocinha, que estava mesmo em cima da sandália. É preciso dizer-se que a carroça não era muito grande, mas também não era muito pequena, e mais caberia a sandália na carroça, do que a carroça na sandália. Não, lá isso não! Nunca tinha um brinquedo senão os que inventava e fazia, e aquele, tão bonito, o diabo vinha buscá-lo! E mesmo que não fosse bonito, não lho dava. Brin­quedos a diabos! Toda a gente sabe que o diabo não brinca e, por isso, faz asneiras! Não, lá isso não! E saltou da cama, correu para a chaminé ... e tirou a carrocinha da mão do diabo, que, já a abrir o saco, nem dera por ele.
- Boa noite! - disse o diabo, com voz maviosa.
- Boa noite ... Por que é que não entrou pela porta? Era só bater, que eu abria - perguntou o menino Jesus, pondo a carroça debaixo do braço.
- Para não acordar ninguém ...
- Eu estava acordado.
E o diabo, muito ingenuamente, como se não fosse ele: - Ai que linda carroça! Quem lha deu?
- Tem alguma coisa com isso?! Que é que o senhor quer?
- Eu só queria brincar com a carroça. Deixa-me brin­car um bocadinho?
- Não tem vergonha de ser tão grande e querer brincar ainda? - (era o que a mãe lhe dizia, quando ele andava pela casa a fazer das suas).
- Eu? Vergonha? - e o diabo ia rir-se, mas tornou a lembrar-se do fiasco do enxofre pelos intervalos do riso. - Então não me deixas brincar?
O menino Jesus dava voltas à cabeça, e não achava maneira de livrar-se dele. Só se fosse ...
- Sempre quer? Mas só um bocadinho.
- Como? Como? - (O diabo todo satisfeito).
- Eu faço de carroceiro e o senhor faz de cavalo.
- Vamos a isso! Vamos a isso! - e o diabo logo de gatas,para ele o atrelar à carroça.
A carroça estava muito bem feita; não lhe faltava nada, até arreios tinha. Foi nessa altura que o menino Jesus, ao reparar nas barbas brancas que o diabo trazia (barbas, aliás, de uma brancura imaculada), viu bem o que lhe convinha fazer. Muita gente julga que o diabo pode esconder tudo o que é e tem, menos os pés de cabra; manifestamente isso não é verdade, como se depreende desta história, em que ele aparece de sandálias, com a perna à vela. Se as pernas eram dele ou emprestadas, o menino Jesus tinha muito mais em que pensar. E pensou e disse:
- Não te posso pôr a cabeçada (corno o diabo fazia de cavalo, tratava-o por tu - não era por ser o diabo), as tuas barbas são tão compridas! E tão bonitas, que se estragam!
E o inimigo, muito convencido, a cofiá-las:
- São bonitas, não são? Bem me custaram a arranjar. O menino Jesus então ficou logo a saber o que queria.
E tornou a dizer: - Não te posso pôr a cabeçada; e, se não ponho, como hás-de puxar a carroça?
O diabo, que não tem paciência nenhuma (e por isso é tão fácil de reparar, quando começa a estorcer-se), o que queria era acabar com aquela paródia, tanto mais que lhe parecia o menino Jesus já ter dado por ele (e só parecia, porque o diabo nunca tem a certeza). E, por isso, propôs: - Mas eu levanto as barbas, e tu passas a cabeçada ...
Assim se fez, e o menino Jesus, quando ele as levantou, viu a barba de chibo, pêra retorcida, que o diabo nunca pode tirar, como se está a ver. As barbas brancas, tão imaculadas, é claro que eram postiças.
Mal o atrelou bem atrelado, o menino Jesus, convencido de que o diabo desapareceria e deixaria a carroça, disse uma palavra secreta que sabia (todos os meninos sabem palavras dessas, só não sabem qual serve). O diabo ficou na mesma. O menino Jesus então disse outra. O diabo, nada. Ia o menino Jesus a dizer a terceira, pergunta o diabo, já abor­recido, corno era de calcular:
- Que raio de brincadeira é esta que nunca mais começa? O menino Jesus puxou-lhe pelas barbas e gritou a ter­ceira palavra, a mais forte de todas ... O diabo deu um estoiro, como os automóveis quando querem arrancar, e saiu pela porta fora, com tanta força, tanta, tanta, tanta, que a atravessaram ele e a carroça, de uma vez - e a porta ficou inteirinha no mesmo sítio.
O menino Jesus, com as barbas postiças na mão, abriu cautelosamente a porta. Não se via um palmo adiante do nariz, mas não se viam também, nem o diabo nem a carroça ... Nisto, as barbas soltaram-se da mão do menino, e começa­ram a subir ao céu, e a crescer, a crescer, a crescer, e, quando chegaram lá acima, já chovia a cântaros. Está-se mesmo a ver que as barbas eram as nuvens que o menino Jesus contara.
O menino voltou para dentro e fechou a porta bem fechada; em casa não se via nada, porque o lume se apagara de todo. O menino Jesus, muito devagarinho, meteu-se na cama. Estava ele a pensar na carroça, ouviu S. José dizer: - Não ouviste um estoiro? E a voz de Nossa Senhora a responder: - Ouvi. Dorme descansado. São coisas do diabo.
Sua mãe sabia! O menino Jesus ainda ficou, se é possível, com maior admiração por sua mãe.


IV


Como a noite de Natal é muitíssimo comprida, a his­tória não acaba aqui; tanto mais que ainda se não ficou a saber a razão de o pai Natal ser pai e ter enormes barbas brancas.
O menino, se, quando se deitara a primeira vez, ficara com um olho aberto outro fechado, agora, sem a sua carroça, não conseguia fechar nenhum deles. E estava nessa aflição ... começou a ouvir barulho dentro da chaminé. Um barulho de nada, pela chaminé abaixo. Era de mais: aquele desca­rado já levara a carroça, e ainda voltava!
O menino Jesus levantou-se, foi para ao pé da chaminé, e pegou num ferro muito grande que lá havia para arrumar as achas. Vinha pela chaminé abaixo uma claridade esqui­sita. E vinham umas sandálias ... e umas pernas ... e uma fímbria vermelha (é ele, pensou o menino Jesus) e mais túnica vermelha e ainda mais túnica vermelha ... até que uma figura ficou, ali mesmo, ao lado das cinzas. O menino Jesus levantou o ferro ... e o homem (parecia um homem) disse: - Assim tu me recebes? Assim te ensinaram a receber o Natal?
Foi então que o menino reparou que ele não tinha bar­bas, nem brancas, nem pretas, ou só assim uma coisa muito rala que nem barba parecia. Não era, portanto, o diabo. Em todo o caso, não largou o ferro.
- Mas tu és verdade? E sempre vens? - (não o tra­tava por tu por ele ser o Natal, mas pela alegria de ele não ser o diabo).
- Eu, em pessoa. E venho, como vês.
- Essa é boa! E trazes-me alguma coisa?
- Nunca trago nada ... Eu troco os brinquedos por outros. E esses é que eu trago comigo.
- Então, este ano, fico sem nada, porque tinha aqui uma carroça e o diabo levou-ma.
- O diabo?!
- Sim. Veio vestido como tu, só trazia barbas brancas, e levou-me a carroça. - E deixaste?
- Que remédio tive! Ele estava atrelado, e não se ia embora ...
- E agora, como há-de ser? Eu trazia uma carroça para trocar.
- Tu não dás brinquedos aos meninos que não têm brinquedos?
- Não posso dar.
- Por quê?
- Porque só troco.
- Por quê?
- Porque não posso dar.
O menino Jesus não perguntou mais; logo viu quais eram as respostas, e que o Natal não tinha outras, pelo menos para dar. Ali estava um, que não dava nada a ninguém. Mas ficar sem carroça não ficava.
- Tu tens a minha carroça.
- Tenho? Aonde?
- Anda por aí, atrás do diabo.
- Lá isso é verdade.
- Então, dá-me a que trazes.
- E a outra?
- A outra, quando encontrares o diabo, dizes que é tua, e pronto .
- E se o não encontro?
- Ora tens tanto tempo! Eu é que não tenho outra carroça!
- Bem ... Parece que me convenceste.
E o Natal - pois era ele - pousou no chão o saco que trazia às costas (como se vê, o patife do diabo até um saco arranjara), e tirou de dentro uma carroça exactamente igual à outra. Mas igual, igual, nem a cabeçada faltava. E deu-lha. O menino ficou - imagina-se - contentíssimo. Tão contente, que se lembrou logo de uma coisa.
- E se o diabo, agora, anda a fingir de ti pelo mundo fora?
- É fácil. Custa um bocado mas é fácil.
- O que é que é fácil? Como te vais arranjar?
O menino Jesus bem via o Natal atrapalhado, sem saber como se havia de arranjar. Teve pena dele, que lhe dera a carroça, e, em troca, deu-lhe uma ideia, que é muito mais de dar do que uma carroça.
- Deixas crescer as barbas brancas. Das duas uma: ou o diabo anda com a barba dele, e toda a gente o conhece; ou põe outras barbas postiças, e basta puxar por elas para se ver se são de verdade.
- Bela ideia, sim senhor, que bela ideia! - Mas depois de pensar um bocado, o Natal acrescentou:
- Não chega. Tenho de ser o Pai Natal.
- Porquê?
- Porque o diabo não pode ser pai.
- Não?
- Não. Os filhos do diabo são sempre filhos de outras pessoas.
- Então passas a ser o Pai Natal e a ter barbas brancas. Palavras não eram ditas, e o Natal logo Pai e com umas barbas quase a chegarem aos pés, tão brancas, tão brancas, que a claridade agora era das barbas.
Depois deste milagre (foi um milagre, evidentemente), o menino Jesus sentiu-se com imenso sono, o sono da noite toda e mais algum. O Pai Natal percebeu, sorriu, ajudou-o a deitar-se... E o menino Jesus nem chegou a ver como ele saiu, porque, apesar da curiosidade, adormeceu logo. Com a carroça debaixo do braço, é claro, não voltasse o diabo... (e é a razão de os meninos dormirem agarrados ao brinquedo de que gostam mais).


V


No dia seguinte, dia de Natal, era feriado, tal qual como hoje. Andava muita gente a passear nos campos, e o menino Jesus andava na estrada, a brincar com a carroça. Claro que olhava, com desconfiança, para todas as carroças que passavam, a ver se alguma delas era igual à sua. Mas nenhuma era. Foi brincando, brincando, e já se esquecia desta história toda, quando viu um homem, lá ao longe, num sítio onde andava menos gente, sentado numa pedra e a fazer riscos no chão, com uma varinha. O menino Jesus teve pena dele, quis avisá-lo e aproximou-se.
Ora, o menino Jesus falava uma língua esquisita - o aramaico - que muitos dos judeus não entendiam, e ainda hoje, segundo parece, não entendem. Mas ele não tinha culpa; era a que lhe ensinaram em pequeno, mal começara a estender os braços... Os meninos ainda se lembram de querer agarrar nas coisas que estão longe? É isso.
Aconteceu, então, que o homem não só não percebeu o que o menino lhe dizia, como se zangou e o enxotou, ameaçando-o com a vara. É claro que o menino Jesus deitou a fugir. Quando já estava suficientemente longe quis ver... E o que viu?
Ao lado do homem, parara uma carroça exactamente igual à sua, puxada por um tipo que já metera conversa com o outro sentado. E parecia que a conversa era engraçada, porque ambos se riam muito. Só da boca do que fazia de cavalo saía um fumozinho branco, que o menino Jesus muito bem conhecia.
Por tudo isto é que o Natal é pai e tem barbas brancas, para se distinguir do outro, que traz brinquedos do inferno, brinquedos que, como os meninos também sabem, são feitos neste mundo, tal qual como os outros brinquedos.
Ora como se vê por esta história, e ao contrário do que até eu próprio julgava quando comecei a escrevê-la, houve, não uma só, mas inúmeras razões, para o Natal ser pai e ter barbas brancas. Para acabar, não me perguntem de quem ele é pai. Não façam perguntas tolas, como as pessoas cres­cidas. Muito em segredo, sempre digo que não sei ao certo, o que sei não posso dizer... e, de resto, talvez os meninos venham a saber mais do que eu.



Jorge de Sena, 1944
in Antigas e Novas Andanças do Demónio


terça-feira, 25 de novembro de 2008

Testa os teus conhecimentos sobre o «Sermão de Santo António aos Peixes», do padre António Vieira, através deste exercício realizado em Excel.
Vai respondendo às perguntas de acordo com as instruções e, no final, observa que resultados obtiveste e quais os teus pontos mais fortes e mais fracos.

Podes resolver um questionário sobre as características do período barroco e o «Sermão de Santo António aos Peixes», do padre António Vieira, através desta ligação.


O «Sermão de Santo António aos Peixes» em podcast, para ouvir em MP3.
Carrega nos símbolos para ouvir ou descarregar os ficheiros (botão da direita do rato e escolher a opção Guardar destino como).


Capítulo 1 do «Sermão de Santo António aos Peixes» - perguntas e respostas.

Capítulo 2 do «Sermão de Santo António aos Peixes» - perguntas e respostas.

Capítulo 3 do «Sermão de Santo António aos Peixes» - perguntas e respostas.

Imagem do filme de Manuel de Oliveira «Palavra e Utopia», em que se pode observar o púlpito de onde se pregava à congregação.


Capítulo 5 do «Sermão de Santo António aos Peixes» - perguntas e respostas.

Capítulo 6 do «Sermão de Santo António aos Peixes» - perguntas e respostas.

Estrutura do «Sermão de Santo António aos Peixes».

Análise geral e progressão do «Sermão de Santo António aos Peixes».


O barroco em podcast, para ouvir em MP3.
Carrega nos símbolos para ouvir ou descarregar os ficheiros.



O Barroco na arquitectura, na pintura e na arte em geral.

O Barroco na literatura.

O sermão no século XVII.

Interior da Igreja de S. Roque, em Lisboa. Note-se o púlpito, à esquerda, a meio da parede, numa posição elevada, de onde se pregava à congregação.


A acção da palavra.

Padre António Vieira.

O ideal missionário em Padre António Vieira.

Os jesuítas e a sua acção no século XVII.

Nota: Seguir-se-ão ficheiros sobre o «Sermão de Santo António aos Peixes».

Bach
- Músico do período barroco que se distinguiu pela forma particular de interpretar o órgão e pela introdução da voz feminina na Igreja.

Conceptismo
- Complexo jogo de conceitos, ou seja, de ideias apresentadas com grande subtileza, com recurso a metáforas, paralelismos, jogos de palavras, alegorias e antíteses.

Cultismo
- Processo característico da literatura barroca que consiste no uso de construções sintácticas e jogos de palavras, numa exibição de virtuosismo retórico, de forma a impressionar o leitor.

Deleite
- Sinónimo de prazer aquando da leitura (era o que buscavam os poetas barrocos).

Efemeridade da vida humana
- Tema recorrente da poesia barroca.

Fénix Renascida ou Obras dos Melhores Engenhos Portugueses
- Cancioneiro seiscentista, editado em cinco volumes, compilada por Matias Pereira da Silva.

Galhofeira (atitude)
- Posição trocista face a aspectos diversos do quotidiano.

Imagem
- Elementos a partir dos quais é construído o poema e alvo de especial atenção antes do estudo do poema “À fragilidade da vida humana”.


À fragilidade da vida humana
Esse baixel nas praias derrotado
Foi nas ondas narciso presumido;
Esse farol nos céus escurecido
Foi do monte libré, gala do prado.

Esse nácar em cinzas desatado
Foi vistoso pavão de Abril florido;
Esse Estio em vesúvios incendido
Foi zéfiro suave, em doce agrado.

Se a nau, o Sol, a rosa, a Primavera
Estrago, eclipse, cinza, ardor cruel
Sentem nos auges de um alento vago,

Olha, cego mortal, e considera
Que é rosa, Primavera, Sol, baixel,
Para ser cinza, eclipse, incêndio, estrago.

Francisco de Vasconcelos in Fénix Renascida


José Merengelo de Osan
- Nome da pessoa que compilou o Postilhão de Apolo.

Morte
- Realidade suavizada pela palavra “repousa” no poema “À morte de F.” (eufemismo).


À morte de F.
Esse jasmim, que arminhos desacata,
Essa aurora, que nácares aviva,
Essa fonte, que aljôfares deriva,
Essa rosa, que púrpuras desata;

Troca em cinza voraz lustrosa prata,
Brota em pranto cruel púrpura viva,
Profana em turvo pez prata nativa,
Muda em luto infeliz tersa escarlata.

Jasmim na alvura foi, na luz Aurora,
Fonte na graça, rosa no atributo,
Essa heróica deidade que em luz repousa.

Porém fora melhor que assim não fora,
Pois a ser cinza, pranto, barro e luto,
Nasceu jasmim, aurora, fonte, rosa.

Francisco de Vasconcelos in Fénix Renascida



Nácar
- Camada interna da concha; por vezes, aparece com o significado de «rosa».

Ornamentação
- Sinónimo de excesso de decoração, característica típica do discurso barroco.

Postilhão de Apolo
- Cancioneiro seiscentista, publicado em dois volumes, compilado por José Merengelo de Osan.

Quotidiano (sátira)
- A poesia barroca critica ou zomba de determinados aspectos do dia–a-dia.

Retórica
- Nome pelo qual o uso das figuras de estilo é também conhecido (a arte de usá-las).

Sinonímia
- Palavras que têm um significado semelhante. Ex: baixel/nau e farol/sol (Existente no poema barroco “À fragilidade da vida humana”).

Tempo
- Um dos temas principais da poesia barroca (a passagem do tempo).

Usos e Costumes (crítica)
- A poesia barroca, e sobretudo a narrativa, para além de abordar temas profundos também critica a sociedade do seu tempo.

Visualismo
- Característica do barroco realçada por formas verbais como “Olha”, no soneto “À fragilidade da vida humana”:

XVII
- Século por excelência do período barroco.

ALGUMAS FIGURAS DE ESTILO OU DE RETÓRICA

Alegoria
- É a corporização de uma realidade abstracta, normalmente conseguida a partir de um jogo de comparações, imagens e metáforas. A literatura portuguesa tem recorrido à alegoria em todas as épocas. São disso exemplo as figuras de Roma e do Tempo, no Auto da Feira, de Gil Vicente; a figura do polvo, no Sermão de Santo António aos Peixes, do padre António Vieira;

Anáfora
– Repetição de palavra ou expressão em início de período, frase ou verso.

Ex: “Quantos, correndo (...) quantos, embarcados (...) Quantos, navegando (...)” (Cap.III, Sermão de Santo António aos Peixes) “Louvai a Deus, (...) louvai a Deus (...)” (Cap. VI, Sermão de Santo António aos Peixes)

Antítese
– Figura que põe, lado a lado, palavras ou ideias, antagónicas.

Ex: Céu/ Terra; Bem/ Mal; Céu/ Inferno; Dia/ Noite; Homens/ Peixes.

Apóstrofe
– Interrupção do discurso para interpelar pessoas presentes ou invocar, sob forma exclamativa, pessoas ausentes, mortas, entes fantásticos ou coisas inanimadas.

Ex: “Olhai, peixes lá do mar e da terra (...)” (Cap. IV, Sermão de Santo António aos Peixes) “Vê, voador (...)” (Cap.V, Sermão de Santo António aos Peixes) “Peixes, dai muitas graças a Deus (...)” (Cap. VI, Sermão de Santo António aos Peixes)

Comparação
– Figura por meio da qual se confrontam duas realidades distintas para fazer realçar a sua semelhança.

Ex: “O polvo com aquele seu capelo na cabeça parece um monge, com aqueles seus raios estendidos, parece uma estrela (...)” (Cap. V, Sermão de Santo António aos Peixes).

Enumeração
– Apresentação sucessiva de vários elementos (frequentemente da mesma classe gramatical).

Ex: “(...) na terra pescam as varas (...) pescam as ginetas, pescam as bengalas, pescam os bastões (...)” (Cap. III, Sermão de Santo António aos Peixes).

Exclamação
– Figura pela qual se exprimem sentimentos de admiração, espanto, alegria, susto, indignação, sob forma exclamativa.

Ex: “Oh alma de António, que só tivestes asas e voastes sem sem perigo, porque soubestes voar para baixo e não para cima!” (Cap.V, Sermão de Santo António aos Peixes).

Gradação
– Encadeamento de palavras ou ideias numa ordem progressiva (ascendente) ou regressiva (descendente).

Ex: “(...) da boca ao anzol, do anzol à linha, da linha à cana e da cana ao braço do pescador.” (Cap. III, Sermão de Santo António aos Peixes)
“ Come-o o meirinho, come-o o carcereiro, come-o o escrivão, come-o o solicitador, come-o o advogado (...)” (Cap. IV, Sermão de Santo António aos Peixes).

Hipérbole
- Figura de estilo que consiste na utilização de termos ou expressões que exageram a realidade.

Imagem
- É a representação sensível, animada e colorida da ideia numa palavra, frase ou parte de um texto. A comparação e a metáfora reunidas originam frequentemente imagens vivas e expressivas.

Interrogação
– Pergunta formulada, não para se obter uma resposta, mas para realçar as ideias do discurso.

Ex: “Parece-vos bem isto, peixes?” (Cap. IV, Sermão de Santo António aos Peixes)“Fizera mais Judas?” (Cap.V, Sermão de Santo António aos Peixes).

Metáfora
– Comparação abreviada pela omissão da conjunção comparativa.

Ex: “(...) às águias que são os linces do ar (...) e aos linces, que são as águias da terra (...)” (Cap. III, Sermão de Santo António aos Peixes)

Zeugma
- Omissão de um termo habitualmente referido na frase anterior:
Jasmim na alvura foi, na luz Aurora [foi],
Fonte na graça [foi], rosa no atributo [foi],

A matriz do teste de Dezembro pode ser vista aqui. E já foi enviada para os endereços de correio electrónico de todos os alunos.


segunda-feira, 17 de novembro de 2008

O Barroco

barroco, s. m., estilo próprio das produções artísticas e literárias, que ocorreu aproximadamente entre os fins do séc. XVI e os meados do séc. XVIII, e que se caracteriza pela pompa ornamental, pelo preciosismo decorativo, pelo floreado e pelos conflitos entre o espiritual e o temporal, entre o místico e o terreno; barroca; cova; barranco; pérola de forma irregular.

A palavra "barroco", como a maioria dos períodos ou designações de estilo, foi inventada por críticos posteriores, e não pelos artistas do século XVII e começos do século XVIII. O termo original é português e designa um pérola irregular ou uma jóia falsa.

Actualmente, o termo "barroco" pode ser utilizado para caracterizar de forma pejorativa trabalhos artísticos ou de artesanato excessivamente ornamentados, tal como muitas outras vezes se emprega o termo "bizantino" como referência a tarefas demasiado complexas, excessivamente obscuras ou demasiado confusas.

Na realidade, o barroco exalta valores através da utilização de metáforas e alegorias, frequentes na literatura deste período, e procura maravilhar e causar espanto, tal como no Maneirismo, muitas vezes por meio da utilização de artifícios, sejam eles de linguagem ou pormenores artísticos. Um dos temas privilegiados é o tormento psicológico do Homem, tendo uma boa parte das suas obras seguido a temática religiosa, já que a Igreja Católica Romana era o principal «cliente» dos artistas e eram religiosos muitos dos escritores desta época, nomeadamente no caso da literatura portuguesa.

Os artistas procuravam a virtuosidade com realismo, tendo uma enorme preocupação com os detalhes (há quem se refira à obra barroca como uma complexidade típica).

Las Meninas, de Velazquez. Clique na imagem para saber mais sobre o quadro.

A falta de conteúdo era compensada através das formas, as quais deviam suscitar no espectador, no leitor, no ouvinte, a fantasia e a imaginação. É um momento em que a arte se encontra menos distante de quem dela pode usufruir, aproximando-se do público de maneira mais directa, diminuindo o fosso cultural que afastava a arte do utilizador, o que, por exemplo, acontecia frequentemente nas igrejas construídas nesta época, quando o luxo aí existente permitia a quem as frequentasse a sensação de pertença, de que também o povo podia agora entrar em ambientes recheados de obras artísticas, apreciá-los e deles usufruir.

Na literatura, encontramos o temática do duplo, a queda que precede a morte, o gosto pelo bizarro, uma enorme obsessão com a morte, porventura originária das inúmeras guerras religiosas que por esta altura abundavam em toda a Europa.

São recorrentes tópicos como o medo da morte, a água corrente que significa o tempo que passa, com ligação à morte simbolizada pela água entre os gregos, romanos e celtas, a metáfora das areias movediças, as formas arredondadas como referência às pérolas irregulares, os reflexos, e a alusão a mitos clássicos como o de Narciso e os «mises en abyme», que na literatura podem surgir sob a forma de textos dentro de textos, os quais reproduzem a história principal em histórias secundárias, tal como o fazem os reflexos entre dois espelhos colocados em frente um do outro, podendo surgir, por exemplo, numa peça de teatro em que um dos personagens representa um actor que representa uma personagem, ou um quadro em que um espelho mostra ao espectador um reflexo da cena que podemos ver pintada.

Para saber mais: História da Arte, O barroco e Wikipédia.

Sobre o quadro: aqui.


Música do período barroco (mistura editada de Pachelbel, Bach e Vivaldi):


Sobre a música do período barroco: aqui.

Uma breve e muito reduzida visão cronológica dos principais autores e obras ao longo da história da literatura portuguesa.










Os textos podem ser classificados em três grandes tipos: narrativos, descritivos e expositivos.

No caso que agora nos interessa, irei aqui deixar algumas considerações acerca do texto expositivo-argumentativo.


Argumento é o raciocínio pelo qual, de uma ou mais proposições, se deduz uma conclusão, raciocínio seguido geralmente pelo orador em apoio da sua tese.

Os argumentos oratórios podem ser directos e indirectos. Os directos têm naturalmente conclusão afirmativa da tese sustentada pelo orador, os indirectos, a sua negação. A totalidade dos argumentos directos têm a denominação de confirmação, fortalecendo eles a tese, mas a dos indirectos, a de refutação, contribuindo estes para a rejeição das objecções do adversário.

Os argumentos constituem a parte essencial dum discurso. Todas as outras partes convergem para ele.

Se na demonstração o acento, a tónica, cai na correcção do raciocínio, na argumentação o elemento principal constitui a eficiência desta perante o auditório, cuja adesão à tese sustentada no discurso é seguida pelo orador.



Aristóteles definiu a argumentação como a «arte de falar de modo a convencer».
Ora, toda a arte tem normas e querer fazer o uso de qualquer arte implica o domínio das suas técnicas. E a arte da argumentação obedece a um trabalho rigoroso que prevê várias etapas: escolher o problema, procurar os argumentos e os contra-argumentos, dispô-los adequadamente, construir um discurso convincente, formular juízos de valor.

E se o discurso argumentativo tem o objectivo de usar bem a palavra para convencer, deve procurar cumprir alguns requisitos fundamentais como a clareza, o rigor, a objectividade, a coerência, a sequência lógica e a riqueza lexical.

Assim, sendo mais práticos, para se elaborar um texto argumentativo, dever-se-á:

– começar por uma introdução em que se apresenta o problema que vai ser objecto do discurso (que ocupa, normalmente, um parágrafo);
– em seguida, construir o desenvolvimento, em que se expõem os argumentos e os contra-argumentos fundamentados com exemplos (o desenvolvimento compreende, pelo menos, dois parágrafos – um para os argumentos e outro para os contra-argumentos);
– para finalizar, a conclusão (de um parágrafo) que deve retomar a afirmação feita na introdução, agora já confirmada ou contrariada.



É importante não descurar a sequência lógica que se pretende que haja entre os parágrafos, implicando que se esteja atento ao seu encadeamento, o que se consegue com a utilização de articuladores de discurso ou de conectores (causa-efeito-consequência, hipótese-solução).

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

A maneira como o nosso cérebro reage à leitura pode ser testado neste texto em que algumas letras se encontram trocadas.

Pios é:
De aorcdo com uma pqsieusa de uma uinrvesriddae ignlsea, nao ipomtra a odrem plea qaul as lrteas de uma plravaa etãso, a úncia csioa iprotmatne é que a piremria e utmlia lrteas etejasm no lgaur crteo. O rseto pdoe ser uma ttaol csãofnuo que nsó pdomeos anida ler sem gnderas pobrlmeas. Itso é poqrue nós nao lmeos cdaa lrtea isladoa, mas a plravaa cmoo um tdoo.
Cosiruo não?

~ * ~


Outro facto interessante é a maneira como conseguimos descodificar um texto que contenha letras e algarismos e continuar a lê-lo como se apenas fosse constituído por letras:

M473M471C0 (53N54C1ON4L)

4S V3235 3U 4C0RD0 M310 M473M471C0.
D31X0 70D4 4 4857R4Ç40 N47UR4L D3 L4D0
3 P0NH0-M3 4 P3N54R 3M NUM3R05,
C0M0 53 F0553 UM4 P35504 R4C10N4L.
540 5373 D1550, N0V3 D4QU1L0...
QU1N23 PR45 0NZ3...
7R323N705 6R4M45 D3 PR35UNT0...
M45 L060 C410 N4 R34L1D4D3
3 C0M3Ç0 4 F423R V3R505
H1NDU-4R481C05


~ * ~

E também merecedor de atenção é o facto de não sermos capazes de nomear as palavras que se seguem dizendo-as rapidamente e em sucessão, em voz alta, sem nos enganarmos.

Diz então, em voz alta, a cor e não a palavra:

AMARELO AZUL LARANJA

PRETO ROXO VERDE

CINZENTO AMARELO ROXO

LARANJA VERDE PRETO

AZUL ROXO CINZENTO

VERDE AZUL LARANJA


Houve algumas trocas, não?

Isto acontece porque há um conflito entre a parte direita do nosso cérebro, que tenta referir a cor, e a parte esquerda, que tenta referir a palavra.

Matriz de teste

A matriz do próximo teste pode ser vista aqui. Mas será também enviada para os endereços de correio electrónico todos os alunos.


domingo, 19 de outubro de 2008

Uma crónica



Hoje deixo-vos aqui também uma crónica, retirada do jornal Público, do dia 3 de Junho de 2006. Gostava, sobretudo, que dessem um pouco de atenção ao estilo da escrita, e ao conteúdo do 2º parágrafo. O que se entende por «repouso imperturbado e bovino», relacionado com a televisão, o DVD, a música popular ou a conversa de computador?

Polémico, não?

Um vídeo publicitário

publicidade - s. f.,
estado do que é público; divulgação; notoriedade pública; reclamo comercial.






Vídeo de Daily Motion

Mesmo que a mensagem não seja perceptível por não se conhecer a língua, a mensagem publicitária pode continuar a ser eficaz, porque é concebida sobretudo para impressionar o consumidor. De que maneira é que esta mensagem pode influenciar? A quem se dirige, ou seja, qual é o seu potencial público-alvo?


terça-feira, 14 de outubro de 2008

O Novo Acordo Ortográfico

Afinal como é que vamos escrever? Este acordo só traz confusão. O novo acordo ortográfico prevê vandalizar o bom Português. O bom Português, tão bem escrito, com tanta elegância e rigor, vai agora ser mutilado, a fim de o aproximar das línguas de origem portuguesa.


Por alguma razão, diz-se que países como o Brasil, Angola e Moçambique, são países de língua portuguesa, e não países de língua brasileira ou países de língua angolana. E essa razão deve-se ao facto de ter sido Portugal a introduzir a língua portuguesa nesses países


Mas então, porque é que tem de ser o bom e o rigoroso Português a fazer mais cedências? E porque é que as outras línguas fazem menos? São as perguntas que fazemos a nós próprios, e para as quais não obtemos resposta.


Outro problema que é levantado, é que algumas palavras perdem o seu sentido, como por exemplo, a palavra “acto”, que passa a “ato”, igual ao verbo atar; a palavra “acção” passa a “ação”; a palavra “pacto”, que passa a “pato”, não vamos dizer “Eu fiz um pato com ele.” é uma frase que fica sem sentido.


Este novo acordo vai também fazer com que os materiais didácticos e dicionários se tornem obsoletos, que seja feita a revisão e nova publicação de todas as obras escritas, e a reaprendizagem por parte de um grande número de pessoas, inclusive crianças que estão agora a dar os primeiros passos na escrita.


Supostamente fazem-se acordos ortográficos para tentar resolver problemas que surgem com o passar do tempo. Neste caso apenas se está a resolver um problema que não existe, uma vez que as variantes da escrita são perfeitamente compreensíveis em todos os países de língua portuguesa.


Por isso, da próxima vez que fizerem um “pato” com outros países pensem nas consequências das vossas “ações”.


por
André A.
Darnis A.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

As palavras

São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.
Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.
Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luze
são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.
Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

Eugénio de Andrade

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Os medos

H

á cada medo estranho que uma pessoa até tem medo de o nomear. No entanto, e depois de ultrapassar o medo de chamar os medos pelo nome, aqui fica uma curta lista. Francamente, de todos eles apenas compreendo perfeitamente os desgraçados que sofrem de singenesofobia. Quem quiser saber o que é, que procure na lista abaixo. Está ordenada alfabeticamente, por isso mesmo os mais preguiçosos e preguiçosas podem dar facilmente com ela. E se não gostarem não me venham cá com ameaças, que já estou a tremer de medo mesmo assim.


E depois há ainda o medo de escrever aqui no blogue da turma. Como se chamará esse medo?

Alodoxafobia - Medo de opiniões.

Anablepobia - Medo de procurar.

Anuptafobia - Medo de ficar solteiro.

Araquibutirofobia - Medo de que a manteiga de amendoim fique presa ao céu da boca.

Aritmofobia - Medo de números.

Asimetrifobia - Medo de tudo o que seja assimétrico.

Aulofobia - Medo de flautas.

Autodisomofobia - Medo de pessoas que cheirem mal.

Automisofobia - Medo de estar sujo.

Barofobia - Medo da gravidade.

Bibliofobia - Medo de livros.

Blenofobia - Medo de coisas peganhentas.

Caliginefobia - Medo de mulheres bonitas.

Carnofobia - Medo de carne.

Catisofobia - Medo de estar sentado.

Clinofobia - Medo de ir para a cama.

Coprastasofobia - Medo de ficar constipado.

Cronomentrofobia - Medo de relógios.

Deipnofobia - Medo de jantar ou de conversas durante ou depois do jantar.

Dextrofobia - Medo de qualquer objecto colocado do lado direito do corpo.

Epistemofobia - Medo do conhecimento.

Filosofobia - Medo da filosofia.

Geniofobia - Medo de queixos.

Genufobia - Medo de joelhos.

Hagiofobia - Medo de santos ou de coisas sagradas.

Hierofobia - Medo de padres e objectos sagrados.

Hipopotomonstrosesquipedaliofobia - Medo de palavras compridas.

Ictiofobia - Medo de peixe.

Koinonifobia - Medo de quartos.

Lacanofobia - Medo de vegetais.

Levofobia - Medo de coisas do lado esquerdo do corpo.

Logofobia - Medo de palavras.

Macrofobia - Medo de esperas demoradas.

Megalofobia - Medo de coisas grandes.

Melanofobia- Medo da cor preta.

Melofobia - Medo ou ódio à música.

Metrofobia - Medo ou ódio à poesia.

Mitofobia - Medo de mitos ou histórias ou argumentos falsos.

Nomatofobia - Medo de nomes.

Numerofobia - Medo de números.

Octofobia - Medo do número 8.

Oftalmofobia - Medo de ser olhado.

Ostraconofobia - Medo de mariscos com concha.

Ouranofobia - Medo do céu.

Peladofobia - Medo de pessoas carecas.

Plutofobia - Medo da riqueza.

Polifobia - Medo de tudo e mais alguma coisa.

Querofobia - Medo da alegria.

Scriptofobia - Medo de escrever em público.

Sesquipedalofobia - Medo de palavras compridas.

Singenesofobia - Medo dos parentes.

Sofofobia - Medo de aprender.

Taasofobia - Medo de se sentar.

Urofobia - Medo da urina ou de urinar.

Venustrafobia - Medo de mulheres bonitas.

Xantofobia - Medo da cor amarela ou da palavra amarelo.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Bem-vindos

Bem-vindos ao blogue da turma 11ºB.
Este blogue foi criado na aula de Português.